17 de fev. de 2011

Cidadão

Em 1990, acho, este que vos escreve estudava a 6ª série primária.

Naquele ano tínhamos uma professora de nome estranho, Credivanda, que, dentre outras matérias, nos lecionava a disciplina Educação Moral e Cívica.

Achávamos aquilo um porre. Esses conceitos de cidadania, moral, direitos e deveres...muito chato. Me lembro de não entender o porque tínhamos que fazer tarefas discorrendo sobre significados de trechos de hinos nacionais para essa disciplina, e não para a disciplina História do Brasil...

Hoje dou valor à disciplina ensinada com tanto esforço pela professora Credivanda.

No dia 15/02/2011, minha esposa e eu fomos ao mercado Extra, no bairro do Jaguaré-SP, comprar coisas que precisávamos em casa.

Minha esposa está no sexto mês de gravidez e estamos em pleno verão: com o bebê crescendo dentro da barriga dela e os pés inchados por conta do calor, sua mobilidade não está lá essas coisas! Nada ágil, eu diria!

Mesmo estando no sexto mês de gestação, são raras as oportunidades em que usamos  o fato como artifício para termos preferências: em filas, estacionamentos, etc. Sempre que vamos a um lugar, procuro uma vaga de estacionamento que nos atenda, mas se percebo que não será confortável para ela, então busco as vagas destinadas à gestantes.

Voltando ao mercado, minha esposa estava cansada e com os pés doendo. A quantidade de itens não nos permitia passar na fila do “caixa-rápido”. O mercado estava realmente cheio. A solução foi “apelar” para a fila preferencial, aquelas que são destinadas à idosos, gestantes e mulheres com crianças de colo.

Os minutos em que ficamos ali, QUE NÃO FORAM POUCOS, foram detestáveis.

Vê-se todo tipo de incoerência do povo brasileiro: pessoas se fingindo de sonsas, pessoas jovens e saudáveis, casais de namorados sem nenhuma gravidez aparente (passando bebida alcoólica)... tudo  para passarem nos caixas destinados para necessidades especiais. O que me chamou mais atenção foi um rapaz, aparentando entre 25 e 30 anos, que queria passar 1 garrafa de coca-cola. Ao ser informado pelo caixa que ali se tratava de uma fila para pessoas com necessidades especiais, ele retrucou: “ah, é só uma “coquinha”, não vai fazer mal a ninguém, passa aí, vai moça!”. Aliás, a informação da caixa do mercado também acabou chamando a atenção do rapaz que estava à frente do rapaz da “coquinha”: “nossa, já que ele pode passar a coca, então eu também posso passar só esse chiclete e essa bolachinha”.

Aquilo me irritou. Cegou-me, pra ser mais exato. Antes de passar minha compra, dei passagem para uma mulher NOVA, provavelmente mais nova que eu (e eu não sou velho!), que estava ali para comprar um brinquedo. Ela me pediu com “educação francesa”: “Moço, deixa eu (sic) passar esse negócio, eu só tenho isso, é pra essa menina que ta me enchendo o saco!”. Eu não ia deixar, mas deixei. Pela criança, de uns 6 ou 7  anos (que não é de colo), que ainda não tem idade o suficiente para saber conceitos de cidadania ou direitos e deveres, nem para ter aula com a Dona Credivanda.

Não pela mãe mal educada e muito menos pelo pai, que estava do lado de fora da fila do mercado, acelerando a mulher para que ela pedisse logo para passar na frente.

Aquilo me deixou tão retardado de raiva que a todo momento eu começo notar o quanto de cidadania falta ao povo. Eu costumo dizer que “má educação gera má educação”. É fato, quando você sofre com falta de educação, acaba faltando com educação! E isso é muito inerente do ser humano.

Imagine-se morando num condomínio onde há um estacionamento comum para todos os moradores, como num prédio. Ao chegar de uma dia cansativo de trabalho, percebe que algum morador estacionou seu carro e “comeu” metade da sua vaga de estacionamento. O verdadeiro cidadão, aquele com senso de cidadania na veia, VOCÊ, vai tentar interfonar para o morador descuidado e tentar “limpar a cagada”. Mas e se o fato ocorrer de novo. E de novo. E de novo. Qual seria sua reação dia após dia? Será que você chegaria a pensar que seu vizinho não é nem nunca foi cidadão? Você pensaria em chegar mais cedo um dia apenas para fazer o mesmo com ele? Ou riscar seu carro? Ou furar seu pneu? Se você respondeu SIM a qualquer uma dessas, isso prova minha teoria de que falta de educação gera falta de educação.

E é assim que eu me senti no mercado. E no caminho pra casa, ao ver as pessoas mudando de faixa sem sinalizar no transito. É assim que eu me sinto toda vez em que vejo alguém SEM NECESSIDADES ESPECIAIS tomando o lugar de alguém COM NECESSIDADES ESPECIAIS (no mercado, ônibus, metrôs, bancos, etc); Ou quando alguém fura fila; Ou quando alguém não sinaliza no trânsito; Quando jogam papel no chão; Quando fumam em locais proibidos; Quando gritam em hospitais; Quando ligam celulares em coletivos tocando músicas e não usam fones de ouvidos (que geralmente acompanham o celular); quando não dão descarga nos banheiros de uso coletivo (como acontece em shoppings ou até no seu local de trabalho); quando um carro tenta se beneficiar de um acostamento, ou furar fila no transito; quando piso num cocô de cachorro que alguém não recolheu.; etc., etc., etc.

Vivo ferindo meus conceitos de cidadania quando sou contaminado com a falta de educação. Costumo cumprimentar as pessoas com uma saudação (Bom dia!) ao chegar em qualquer lugar. Se não há a réplica, pronto: estou contaminado com falta de educação.

Eu cheguei a dizer no mercado, em voz alta, que a minha vontade era de “agitar a garrafa, abri-la e enfiar a “coquinha” no cú do arrombado que não tinha conceito algum de cidadania”. Perdi a linha. Mas estou errado?

Ser cidadão é respeitar o moral, direitos e deveres dos demais cidadãos que convivem conosco. É difícil fazer isso? É difícil deixar de fumar um cigarro em local proibido? É difícil estacionar na vaga demarcada? É tão complicado assim fugir do “jeitinho brasileiro”?

Não sou bitolado: entendo que, caso não haja necessitados, as filas podem ser usadas por CIDADÃOS COMUNS. Entendo que, se não oferecer riscos a ninguém, pode-se mudar de faixa sem sinalizar. Até passar um farol vermelho. Na ausência de idosos , grávidas ou cegos, pode-se sentar no “banco azul” do metrô. Aliás, é seu direito sentar-se no banco, mas é seu dever ceder o lugar caso apareçam pessoas de necessidades.

Era isso o que a Dona Credivanda me ensinava. E que eu achava chato demais. Mas pelo menos eu acho que aprendi, ao menos uma parte. Infelizmente parece que muitos faltaram a essa aula.